sábado, 19 de junho de 2010

Memórias...

Ontem a noite voltando do trabalho, peguei o 125 sentido Rio Sul, sentei no fundo e lá fiquei olhando a rua, sem pensar em nada, cansada do trabalho da semana... Em algum momento, não me lembro exatamente qual, passei a reparar em uma senhora sentada na minha diagonal esquerda.
Ela estava com algumas sacolas em seu colo, e de uma delas ela havia tirado umas 20 canetas dessas que vende no camelô, olhando uma por uma, todos os detalhes, virando de um lado, do outro, comparando-as... De inicio imaginei que a própria seria um camelô e que iria tentar vender as canetas na porta do Rio Sul e então voltei a observar pela janela o transito no centro do Rio de Janeiro.
Mais adiante, quando passávamos pelo aterro do Flamengo, notei que a mulher havia tirado uma camisa verde-amarela do Brasil de uma das sacolas, e da mesma forma que havia olhado as canetas ela olhava a camisa, reparando em todos os detalhes, etiqueta, costura, símbolo...em seguida ela guardou esta camisa e tirou uma outra branca e azul e da mesma forma, com o mesmo cuidado ela examinava a camisa...Passei a observá-la e de repente vi um certo amor , um certo carinho nos olhos dela ao examinar a camisa...
Comecei a imaginá-la comprando a camisa para dar de presente para seus filhos e as canetas para seus netos, depois de um dia duro de trabalho, gastando seu dinheiro suado e pela aparencia dela até talvez escasso, e que agora ela examinava tudo sonhando com a cara de felicidade das pessoas que iriam receber os presentes... Vira e mexe eu me pego fazendo isso, imaginando com é a vida das pessoas anônimas que passam ao meu redor.
Mas ontem ao imaginar isso lembrei de uma cena da minha infância...Era mais ou menos por volta de 1992, uns dois anos após a morte de meu pai. Eu tinha 8 anos e minha irmã 6. Minha mãe estava desempregada e as coisas andavam bem difíceis para nós. Meu avô se recusava a ficar conosco para que minha mãe trabalhasse, pois alegava já ter criado os seus 6 filhos, e minha mãe não tinha como manter uma empregada ou babá para ficar conosco.
Nesse dia, minha mãe tinha ido a São Paulo resolver alguma coisa a respeito da pensão devido à morte do meu pai, e nós, eu e minha irmã ficamos em Casa Branca. Durante o dia fomos à escola, como de costume e à tarde fomos para casa de uma tia avó, Tia Teresa, irmã da minha já falecida avó materna.
Antes de sair de São Paulo, minha mão ligou para casa da tia Teresa para saber se estava tudo bem conosco e avisar a que horas ela ia chegar e disse que ia nos trazer lápis de cor de presente.
Não sei a minha irmã, mas eu fiquei bem feliz ao saber que ia ganhar lápis de cor, eu nunca fui muito boa em desenho e pintura, mas nessa idade as crianças adoram pintar e eu não era diferente das demais...Eu me lembro que passei o resto da tarde e inicio da noite, até a chegada da minha mãe, a imaginar como seria a caixa de lápis de cor que ela ia me trazer, se era de 24 cores, ou de 36, quantos verdes teria e quantos azuis, pois sempre gostei muito dessas cores...E assim fiquei com aquele sorriso de canto sonhando com a caixa de lápis de cor...
No entanto, quando minha mãe chegou e me deu o presente fiquei tão decepcionada...a caixa de lápis de cor era muito menos do que eu esperava, era uma caixa de lápis de cor comum, de 12 cores, dessas baratinhas que vendia no supermercado, da qual eu já tinha um monte e sem nenhuma cor diferente. Os lápis eram duros e toda hora quebravam a ponta...Mas por incrível que pareça, eu tenho esses lápis de cor até hoje, é verdade que já estão bem gastos e já perdi alguns, mas ainda os guardo como recordação, pois passada a minha decepção, a realidade bateu à porta.
Assim como aquela mulher no ônibus de ontem parecia estar sonhando com a felicidade dos que ama ao receber o presente, não tenho dúvidas de que minha mãe veio no ônibus de São Paulo para Casa Branca, cansada do dia e também sem muita grana, pensando em ver os sorrisos meu e da minha irmã, se sentindo culpada por não poder dar mais, por não poder nos dar mais atenção, por tudo o que estavamos passando e sonhando com uma vida melhor. Embora ela quisesse nos dar o melhor dos lápis de cores, aquele era o que ela pdia nos dar e com grande esforço, diga-se de passagem. A intenção era apenas nos ver sorrir, nos ver feliz e nada além disso seria mais satisfatório pra ela...
Ao lembrar de tudo isso confesso que me emocionei bastante, porém era chegado o ponto final, a aula de pilates me esperava. Mas hoje de manhã acordei pensando nessa mulher, na minha mãe e em todas as outras mães que batalham o dia todo, as vezes uma vida toda só para chegar em casa e ver o sorriso dos filhos e fiquei pensando como será quando chegar a minha vez...