terça-feira, 19 de abril de 2011

Já que estamos falando de sentimento, razão e tudo o mais, aí vai uma das antigas...

Sentido

Há uma lágrima a cair
Quando um coração decide amar
Há uma decepção por vir
Quando a razão decide atuar

Onde há sentimento
Há constragimento

Sempre há uma lágrima a cair
Quando um impulso marcar
Sempre há uma decepção por vir
Quando uma regra se aplicar

Onde há ressentimento
Há estranhamento

E sempre há uma lágrima a cair
Quando um desejo falar
E sempre há uma decepção por vir
Quando um valor afetar

Onde há desentendimento
Há sofrimento

Mas sempre há uma lágrima a cair
Quando um afeto se calar
Mas sempre há uma decepção por vir
Quando uma palavra vagar


por Elita de Abreu em 31/08/2007.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Janelas Quebradas

Até hoje me pergunto o que define um ser humano? as suas vivências, o seu caráter, a sua educação...? Como será essa equação? quais os fatores têm mais pesos, o que é ruído, o que é aleatório, de quanto será o erro? Confesso que esse tema me chama muito a atenção, chega a me tirar o sono, porém há perguntas que jamais serão respondidas.

Quando paro para refletir apenas sobre mim mesma, a qual se trata do material experimental dessa equação que mais conheço, ainda assim muitas questões ficam no ar, sem respostas, mas no ar, me inquirindo, me apontando, no ar...

Há pouca coisa que sei verdadeiramente sobre mim e sobre o meu caráter, e muitas dessas coisas só vim a descobrir com tempo. Mas se tem uma coisa que sempre soube sobre mim é que eu nunca suportei pagar pelos erros alheios, principalmente, quando nem ao menos fui consultada a respeito da execução destes. O porquê? Não sei, também está no ar... Mas essa é uma característica marcante na minha pessoa, desde os tempos de infância.

Eu devia ter uns dez, onze anos. Meu avô morava conosco no quartinho dos fundos. Minha mãe ganhava o pão de cada dia na escola, como professora substituta. Eu e minha irmã? Bem nós íamos à escola de manhã, brincávamos à tarde e só à noite, quando minha mãe voltava da escola fazíamos o dever de casa. Não que tivéssemos dificuldade, mas queríamos atenção.

E foi numa dessas tardes de brincadeira no vizinho que esse traço do meu caráter começou a ser testado e a deixar a sua marca. Era uma tarde normal, meninas brincavam de boneca, enquanto os meninos treinavam o gol a gol no corredor. O barulho da bola às vezes irritava demais, virava e mexia nos acertava e algumas vezes doía. Na maioria das vezes irritava e iniciava-se aí uma discussão. Meninos tem o dom de estragar a brincadeira das meninas.

Eu não lembro exatamente como tudo aconteceu nessa tarde, só lembro que brinquei e fui pra casa na hora de costume esperar minha mãe voltar. Em meio à tarefa de casa, depois do sermão costumeiro do meu avô, de que não se estudava a noite, que agente brincava demais e que minha mãe tinha que ficar mais em casa pra cuidar da gente, ouvimos palmas no portão e alguém chamar o nome da minha mãe. Era uma vizinha. Ela ficou na varanda falando com minha mãe, enquanto eu e minha irmã ficávamos na mesa da cozinha terminando de estudar sob a vigia do vovô.

Depois de alguns minutos minha mãe entrou em casa enfurecida, gritando os nossos nomes, meu e de minha irmã, e entrando no quarto. Fomos até a sala e eis que ela surge com a cinta na mão. Juro, nesse momento eu ainda não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas de duas coisas eu tinha certeza: eu odiava a vizinha; o couro ia comer!

Dito e feito, antes do coro comer, veio a explicação:

- Quantas vezes eu já falei para vocês duas não jogarem bola no corredor do vizinho? Quantas?

- Mas mamãe...

- Às vezes eu acho que falo grego! Eu falei mais de mil vezes que essa brincadeira não ia dar certo! Agora olha só, quebraram a vidraça da vizinha e quem vai ter que pagar por isso? Eu, sempre eu... Não basta ser pai e mãe, ainda tenho que arcar com o prejuízo de duas crianças teimosas!

- Mas mãe...

- É, porque a única que trabalha aqui nesta casa sou eu, vocês só tem que ir à escola e tirar boas notas e nem isso andam fazendo direito, todo dia a noite tem tarefa por fazer. Blá blá blá, blá blá blá, blá blá blá...

Nessa hora a raiva era tanta que eu nem escutava mais o que minha mãe dizia, só pensava “Vai, bate logo e acaba com isso, não fui eu e não quero ouvir esse sermão”. E o pior de tudo era ver, e ouvir o papagaio do meu avô atrás:

- Eu falei que você não está educando essas meninas direito. Trabalha o dia todo. Elas fazem o que querem. Aí, fizeram arte não contaram nada. Duas gatunas e blá blá blá, blá blá blá, blá blá blá...

Será que meu avô não sabia que minha mãe trabalhava porque precisava e não por que queria? Era ela e só ela, sem a ajuda de ninguém que bancava tudo, inclusive ele, que só reclamava. Até eu e minha irmã mais nova sabíamos disso. Qual era a dificuldade? E porque ele ficava lá, dando palpite e só piorando as coisas ao deixar minha mãe ainda mais nervosa?

Não agüentei tanta injustiça e explodi:

- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO FUI EU!!! NÃO FUI EU!!!! Eu não estava jogando bola eu estava brincando de boneca, pode perguntar para todo mundo. NÃO FUI EU!!!

O tapa foi certeiro. Chorei de raiva, não foi pela dor, foi pela injustiça. Não houve cintada, mas o castigo não foi barato. Três meses sem a mesada que ganhávamos por fazer pequenas tarefas em casa e nada de passar a tarde brincando. Era de casa pra escola, da escola pra casa. A mesada seria usada para pagar a vidraça quebrada.

Fui dormir irada com tudo! E meu avô lá ainda enchendo os ouvidos da minha mãe: que na minha época... porque você deveria... essas meninas... Que velho chato!!!

No dia seguinte acordei decidida! Não enrolei pra acordar, tomei o café da manhã rápido, peguei algumas pedras no quintal, botei no bolso do uniforme, dei tchau pra minha mãe e antes de partir pra escola atravessei a rua, apertei a campainha da vizinha, chamei-a para a calçada e atirei todas as pedras até quebrar a vidraça da frente, ensandecida! Ela me olhava com os olhos arregalados, minha mãe veio correndo em minha direção, minha irmã ficou do outro lado da rua aflita e meu avô na janela sem entender nada.

Quando chegou até mim, minha mãe me deu um chacoalhão e perguntou com voz áspera e dura:

- Você está louca? O que você está fazendo? Já não bastava o prejuízo de ontem? Eu acabei de fazer o cheque...

E eu com lágrimas nos olhos de ódio, olhei pra ela disse:

- Ué, estou quebrando a janela pela qual você vai pagar, porque as outras não fui eu. Não acho justo pagar por algo que não fiz! Como vocês não acreditam em mim, resolvi então quebrar a janela, agora tanto o castigo, quanto o tapa e o cheque estão de acordo com o que foi feito, sem nenhuma injustiça. Não me importo mais de ficar de castigo agora!

Minha mãe me pegou pelas mãos, entregou o cheque à vizinha se desculpando, e descemos a rua em direção à escola. As três com um sorriso de canto, as três satisfeitas com o acontecido, as duas pensando a mesma coisa sobre mim, só minha irmã expressando:

- Maninha, você é louca, mas eu te adoro!

É claro que não ficamos livres do castigo e nem do blá blá blá do meu avô, mas pelo menos eu não tive, ou melhor, não tivemos que pagar por algo que não fizemos.


Por Elita de Abreu.