terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Fahrenheit 451

É simplesmente brilhante, atual e alarmante o livro de Ray Bradbury (1920-2012), publicado em 1953.
Comecei a lê-lo em português e fiquei tão fascinada, que abandonei o exemplar traduzido e fiz questão de lê-lo em sua língua original, inglês, para ter certeza de que não estava perdendo nada.
Considerado um dos tripés da literatura pós segunda guerra que combatia principalmente a censura, junto com 1984 (George Orwell) e Admirável mundo Novo (Aldous Huxley), Fahrenheit consegue ser o livro de ficção que mais se aproximou da realidade de hoje.
O tema principal  do livro trata da importância dos livros e da leitura e é conduzido através da narrativa da  transformação de Guy Montag, um bombeiro, que assim como seu pai, estava destinado a queimar livros que nunca sequer teve curiosidade de abrir, para o resto da vida, em um foragido de alta periculosidade, que não só esconde livros em sua própria casa, como sabota os próprios colegas de profissão implantando livros em suas casas para em seguida denunciá-los.
No entanto, paralelamente ao tema principal, há tantos detalhes fascinantes, e um tanto assustadores dado a predição acertada do futuro, que o livro se torna quase que um Raio-X do século 21. O suicídio "acidental"  comum entre as pessoas, que esperam estar sempre felizes e sorrindo e, para isso, se enchem de anti-depressivos. A covardia dos intelectuais que não fazem nada do que pregam e se escondem sob a máscara de "sou apenas mais um". A violência deliberada devido à falta de sonhos e ideais. A vida virtual, igualmente virtualmente feliz. A recriminação e opressão de toda e qualquer forma de diferença de opinião. A hipocrisia dos poderosos. A imposção das minorias.
Por fim, todo esse banquete é finalizado por um delicioso e provocador epílogo, onde o próprio autor toma a palavra e literalmente diz o que pensa, e que cabe ainda hoje, como uma crítica merecida e fiel da sociedade em que vivemos.

Abaixo destaco alguns trechos do epílogo, traduzidos por mim mesma, como uma amostra do brilhantismo de Ray Bradbury.

"Há mais de um jeito de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas por aí com caixa de fósforos. Cada minoria, seja Batista, Unitário, Irlandes, Italiano, Octagenário, Zen Budista, Sionista, Adventista, Feminista, Republicano… Acha que tem o direito, ou o dever, de dosar o querosene e acender o fogo. 
Oras, se os Mormons não gostam do que escrevo, eles que escrevam seus próprios livros. Se os irlandeses não se identificam com minhas idéias, simplismente não leiam textos de minha autoria. Nenhuma desses grupos e nem  qualquer outro ser é obrigado a ler o que escrevo, porque querem me obrigar a não escrever?."

"Uma vez uma escola me procurou querendo publicar um de meus contos em um livro que reuniria contos de 400 autores, para que fosse lido durante o ano didático. Fiquei me perguntando como colocariam 400 contos em um só livro, o qual deveria ser lido ao longo de um ano letivo, em paralelo com outras atividades escolares e extra-escolares. Simples, compreendi em seguida, uma sequência de adjetivos utilizados  para descrever a beleza de uma flor seria substituído apenas por um: uma bela flor. Palavras com mais de 3 sílabas, seriam substituídas por seus sinônimos menores. Shakespeare, Melville, Wilde, Poe, todos pareceriam a mesma coisa, o mesmo autor, perderiam a sua identidade. Não autorizei."

"Nem todo livro é libertador. Muitos, eu diria a maioria, não servem para nada e poderiam ser queimados. Não acrescentam, não subtraem, não deixam impressão nenhuma."

"Não há maior inimigo da leitura que os colecionadores de livros, aqueles do tipo que enchem a estante deles, mas nunca os abrem. Estes são os verdadeiros bombeiros."

O livro fica para quem tiver curiosidade.

Por Elita de Abreu.