segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O que deveríamos aprender para o nosso dia a dia com o caso do Lava-Jato

Eram três da matina quando o telefone de Célia tocou. Não assustou nem nada porque estava num sono leve aguardando o filho que tinha ido à balada com os amigos. Na verdade ela acordou achando que o filho novamente esquecera a chave.

- Alô Mãe?
- Oi filho, você esqueceu a chave, eu já estou indo abrir...
- Mãe estou na delegacia, tem como a senhora vir aqui e pagar a minha fiança?
- O que?!
- Você tem que vir aqui senão vou passar a noite preso.
- Mas por quê, o que aconteceu?
- Vem pra cá mãe, eu só tenho cinco minutos de ligação.
- Tá estou indo. Avisou seu pai?
- Não, de jeito nenhum... Deixa ele fora disso. Ele vai me matar quando souber.
- Está bem, estou indo.
- Valeu mãe.

Célia arrumou-se rapidamente e quando estava para sair pensou: Vou ligar pro Alberto. Mateus vai me matar, mas num cabe a uma mulher andar sozinha a uma hora dessas da madrugada, ainda mais pra ir à delegacia. O Alberto é pai dele, tem que comparecer.

- Alô?
- Alô Alberto, é a Célia. O Mateus foi preso. Preciso que você passe agora aqui pra me buscar e irmos à delegacia saber o que aconteceu.
- Han? O quê? Que horas são?
- Vai Alberto, anda logo. O menino deve estar desesperado, nem queria que eu te ligasse.
- Tá to indo.

20 minutos depois...

- Que demora hein Alberto?
- Você queria o quê? São mais de 3 da manhã, trabalhei até as dez fazendo serão. Tava no sono dos justos quando você me ligou. Que que esse moleque aprontou dessa vez?
- Não sei Alberto, ele só tinha 5 minutos de ligação. Pediu pra eu ir lá pagar fiança.
- Tá sozinho?
- Não sei.
- Deve tá com aqueles moleques do Pedro. Já falei pra ele num andar com aqueles meninos, mas ele num me escuta. O s meninos são muito velho pra andar com ele. Além do mais já soube que andam aprontando.
- Chegando lá a gente vê.
- Mas você não sabe de nada hein?! Ele é seu filho.
- É seu também.
- Mas você é a mãe.
- E você é o pai, é o seu exemplo que ele vai seguir. E chega dessa conversa que não vai levar a lugar algum. A gente nem sabe direito o que aconteceu. De repente foi só um mal entendido.

Na delegacia...

- Boa noite, meu nome é Alberto eu sou o pai do Mateus.
- RG por favor?
- Aqui.
- Vou mandar chamar ele.
- E o que ele fez?
- Foi pego com mais dois amigos roubando um lava-jato. Três conseguiram fugir.
- Num falei pra você Célia, aposto que os meninos do Pedro estavam junto e escaparam.
- Não consegui acreditar que meu filho está envolvido nisso. A gente educou ele tão bem. Ele tem tudo o que quer.
- Esse é o problema. Ele é mimado. Tá na hora de começar a trabalhar para ver quanto custa o celular da moda.
- Mãe...
- Filho, você está bem? Te maltrataram?
- Vem aqui seu moleque (e puxou-o pela orelha). Que diabos você estava fazendo? Foi isso que a gente ensinou pra você, roubar?
- Quem chamou o senhor aqui? (se soltando)
- Eu chamei filho, fiquei com medo de vir sozinha.
- Eu não tava roubando, eu fui só filmar.
- Ah, menos mal né? Filmar os amigos roubando num é problema nenhum né seu idiota?!
- Porque você não chamou o tio Jorge mãe?
- Ai filho, ele é seu pai, ele quer o seu bem.
- Seu Alberto?
- Sim, pois não.
- Aqui está o boletim de ocorrência.
- E quanto é a fiança?
- Num tem fiança, ele fica.
- Como assim?
- Ele aparece no vídeo, tanto do lava-jato, quanto no do celular. sendo assim, não há mais necessidade de provas para ver que ele é culpado.
- E os outro meninos?
- Vão ficar também.
- E os que fugiram?
- A policia tá indo atrás.
- Com licença, meu nome é Jairo, sou o pai e advogado do Marcelo e vim buscar meu filho pra levar pra casa.
- Seu filho não pode ir não, vai ter ficar.
- Como advogado dele, estou ciente do que aconteceu. Tendo em vista que meu filho é réu primário e que, embora apareça nos vídeos juntos aos outros meliantes, nada de valor foi encontrado com ele. Desta forma a acusação de roubo não se enquadra, ficando apenas a de invasão de propriedade privada a qual ele pode responder em liberdade uma vez que, repito, ele é réu primário. Aqui está o pagamento da fiança.
- Tá, tá, tá, já entendi. O Ricardo manda soltar o filho do doutor aqui.
- Jairo eu sou Alberto, pai do Mateus, ele foi preso junto com o seu filho.
- Essa molecada apronta cada uma né?!
- Tudo isso que o senhor falou aí também pode ser usado pra soltar o meu filho.
- Pode sim. Segundo o que o Marcelo me disse, só os moleques que fugiram é que tavam com a grana, os três que ficaram pra trás foram pegos pra bode expiatório.
- Ouviu, o senhor pode soltar o meu filho também então.
- Preciso do parecer do advogado e pagamento da fiança.
- Você pode ser o advogado do meu filho?
- Posso sim. Imaginei que isso iria acontecer e preparei já um pedido de habeas corpus pro Mateus. O Vitor vai ter ficar porque não é primário. Depois passa no meu escritório pra gente acertar e dar prosseguimento à defesa.
- E vai ser caro?
- Mixaria, conheço o Mateus desde menino e sei que isso foi só molecagem.
- Obrigada Jairo.
- Seu Alberto, tá aqui a fiança pro senhor pagar. O Ricardo já foi buscar seu filho também.
- Dois mil reais?
- Sim, invasão de domicílio e apreensão em flagrante, dois mil reais.
- Célia eu não tenho esse dinheiro, você tem?
- Não, trouxe aqui tudo que tinha e um talão de cheques, mas num tenho nem metade disso na minha conta. E ainda não paguei o aluguel esse mês.
- Tem como parcelar?
- Tem não, ou paga a vista ou o menino fica.
- E agora Alberto?
- Ele vai ficar Célia, pelo menos até amanhã, até eu arranjar a grana.Vamos pra casa que amanhã o dia vai ser duro.
- Ai meu filho tadinho, num fez nada e vai ficar na cadeia, enquanto os outros que roubaram estão livres.
- Como assim tadinho num fez nada? Claro que fez Célia. Seu filho invadiu uma propriedade privada para roubar.
- Mas os outros também roubaram e estão livres. Isso é muito injusto!
- E daí Célia? Num tem nada de injusto. Dos outros a justiça vai cuidar, vai investigar, correr atrás e se tiver provas o suficiente vai prender e punir. Agora o nosso filho não, ele foi pego sim, e é desse problema que a gente tem que cuidar.
- Mas eu não acho certo ele ser punido enquanto os outros estão livres.
- Pois eu acho certo sim. O Mateus tem que aprender que o que ele fez foi errado. Não se trata apenas de punição, ele tem que entender que isso tá errado para nunca mais fazer.
- Mas enquanto isso os outros estão livres. Você viu, o Marcelo vai responder o processo em liberdade. Só o Mateus e o Vitor ficaram presos.
- Quer saber Célia, acho é ótimo que o Mateus fique preso nem que seja apenas por hoje, porque com essa cabeça fraca que você tem é capaz de convencer ele de que ele foi vítima dos outros, e ainda vai dar mal exemplo para Duda. Falando nisso, cadê a Duda?
- Dormiu na casa da Dinha, elas vão pro sítio amanhã cedinho.
- E ela já soube do irmão?
- Não, ninguém sabe, não deu tempo de falar com ninguém.
- Melhor assim, sua família se intromete muito.
- Aposto que eles ficariam do meu lado.
- Essa você já ganhou meu bem, vocês são tudo cabeça fraca. Vai vendo... O filho do Jorge também já foi preso por causa de droga, e os filhos da Marlene tão indo pro mesmo caminho...
- O filho do Jorge nunca usou drogas, ele tava só levando pros amigos.
- Igual o Mateus que tava só filmando. Ah Célia, conta outra. Você acha mesmo que eu acreditei nessa história.
- Mas é verdade, o Jorge fez exame de sangue no menino e não deu nada.
- Num tô falando do filho do Jorge, eu num tô nem aí pra ele. Eu tô falando do Mateus.
- Imagina que meu filho ia mentir.
- E você imaginava que ele ia ser preso por invasão de domicílio? Ele está mentindo. No mínimo os caras que fugiram com a grana estão com a parte dele também. Mateus é muito otário, puxou pra sua família aí.
- Ai Alberto você está pegando muito pesado com o nosso filho. Todo adolescente faz essas bobagens, é coisa da idade.
- Não é não, isso é educação e exemplo. Eu tenho falhado muito com o Mateus. Mas assim que a gente pagar essa fiança e ele sair da cadeia eu vou arranjar pra ele trabalhar comigo lá no depósito. Assim ele aprende a dar valor ao que tem e passa mais tempo comigo aprendendo as coisas certas.
- De jeito nenhum, meu filho nunca vai trabalhar num depósito. Não criei ele pra isso.
- E criou pra quê? Pra ser bandido. É o que agora Célia? Vai falar que meu trabalho é indigno? Pois saiba que é com ele que eu pago a tua pensão de dondoca e a escola das crianças. É um trabalho digno.
- Não foi isso que eu quis dizer, só acho que não vai ser bom pro Mateus.
- Pois eu sou o pai e digo que vai ser excelente. Além do que vamos precisar de uma renda extra pra pagar a fiança dele. Nada mais justo que ele trabalhe para pagá-la não acha.
- Justo mesmo eu ia achar se os outros meninos também estivessem presos, isso sim. Quer um café?
- Quero sim, obrigada. Célia sério mesmo, deixa eu falar uma coisa pra você. Você sabe o porquê do nosso casamento não ter dado certo? É por que você tem essa cabeça de ficar se comparando e vigiando o que os outros fazem ao invés de cuidar da sua própria vida. Presta atenção no que eu vou te dizer agora:
O Mateus não é um bandido, mas pode vir a ser. Tudo vai depender do que a gente ensina pra ele e do que ele aprende. Roubar, invadir propriedade privada, levar droga pros amigos, tudo isso é crime. Não importa se você participa ativamente ou passivamente, se outros também estão fazendo, se os outros não foram pegos, é errado e ponto final. É isso o que a gente tem que deixar claro pro Mateus e pra Duda também. Não podemos criar os nossos filhos baseados no que os outros fazem. O fato de os filhos do Pedro também estarem roubando e não terem sido pegos não muda em nada o fato de que o Mateus foi pego roubando. Eles erraram? Erraram e eu também quero que seja feita justiça, que eles sejam pegos e principalmente que não façam de novo, nem eles nem ninguém. Mas um erro não justifica o outro, e agora a realidade é que quem foi pego foi o Mateus, e é com este fato que temos que lidar. Se o Mateus erro, ele tem que pagar pelo erro. É simples assim. E seria muito bom da nossa parte se ele se arrependesse e nunca mais repetisse uma idiotice dessas. Mas para isso você tem que parar com essa coisa de que tinham outros meninos que também roubaram, de que os outros é que ficaram com o dinheiro e eles estão livres e tals, porque nada disso importa. O Mateus é o nosso filho, o resto não.  A justiça está aí pra cuidar dos outros. Nós temos que cuidar do nosso filho. Você entende isso Célia.
- Entendo, mas é que me revolta que embora os outros também tenham errado só Mateus vai pagar pelo erro.
- O Mateus não está pagando pelo erro dos outros. O Mateus está pagando pelo próprio erro. Aceite isso e faça o certo, se não quiser passar outras madrugadas na cadeia. Que horas são?
- Dez para as cinco.
- Bom vou nessa ver se faço o serão das cinco, assim consigo ganhar uma grana extra e sair mais cedo par ir no banco ver o que consigo o dinheiro para a fiança. Fica bem e seja firme.
- Até mais.
- Tchau. Pensa no que te disse.









Nenhum comentário:

Postar um comentário

Liberdade de Expressão, exerça a sua!