segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sobre Minha Mãe

Há um longo tempo, muito se fala em pensar no próximo, ajudar o próximo, amar o próximo como solução da maioria dos problemas que a sociedade moderna vem enfrentando. Eu discordo em grande parte, acho que não precisamos tentar imaginar os problemas que pessoas com as quais nunca falamos passam para evoluir e fazer uma sociedade mais justa. Para mim basta pensarmos em nós mesmos de forma lógica e simples, pois de uma forma geral o que é melhor para nós e para quem amamos, a nivel social, normalmente também é o melhor para o resto da socieade.
Para exemplificar essa minha maneira de pensar, que por acaso é bem antiga, coloco abaixo um texto que reflete de forma bem simples tudo isso e que foi escrito em há 6 anos atrás, quando ainda tinha 20 anos.

Sobre Minha Mãe

Sabe, gosto de olhar para minha mãe. Vê-la trabalhando, conversando, ouvindo, tomando banho, comendo, até mesmo fumando. Gosto de observá-la enquanto anda, senta-se, dorme...
Às vezes sinto-me meio mãe dela, parece que ela tornou-se em pouco de mim, que eu ajudei a criá-la, é tão bonito de se ver...Depois de tudo que passamos juntas, não consigo olhar para ela e sentir que é apenas minha mãe, sinto que somos muito mais que isso, eu a admiro tanto, mas de uma forma diferente, não sei explicar bem, talvez Freud explique, mas eu não posso fazê-lo, posso apenas descrever o que sinto.
Quando olho para ela, quando penso nela, quando me lembro dela, em um flash me passa pela cabeça tudo o que ela já fez por mim. Lembro-me de sua força, atenção, paciência...Lembro-me de seus erros, seus acertos, suas dúvidas...Vem a tona tudo, tudo o que já vivemos, e é emocionante, por um instante, viver isso tudo novamente.
A adimiração que tenho por ela é estranha porque não tenho vontade de ser como ela. Sou o que sou e estou feliz com isso, até porque, sei que grande parte do que sou foi esculpida por ela, mas tenho o sentimento de que também esculpi um pouco do que ela é, e é engraçado olhar pra trás e se ver dando conselhos e lições de moral para sua própria mãe, sendo que ela sempre teve o juizo no lugar.
Nunca tinha reparado no quanto gosto de observar minha mãe, de admirá-la. Até que um dia desses, cheguei de viagem, exausta, e minha mãe estava trabalhando. Eu estava tão cansada que resolvi dormir ao invéz de ir até o seu serviço e lhe dar um abraço, até porque eu sei que ela iria me fazer milhões de perguntas, ia querer conversar e eu ia acabar por atrapalhar o seu serviço e me irritar. Aquele dia eu realmente estava sem paciência, ainda não tinha dormido nada e nem almoçado.
Deitei-me pra dormir um pouquinho e, com meu nome esta tornando-se trabalho, pelo menos o meu sobrenome já é, meu celular tocou e eu tive que dar por encerrado alí os meus poucos minutos de sono...E como já tinha acordado mesmo, e a saudade de minha mãe era grande, resolvi ir até lá, no seu trabalho, visitá-la.
Cheguei lá e a vi em plena atividade, olhando por cima de seus óculos e chamando o nome dos pacientes, tão fofa! Minha mãe trabalha num Posto de Saúde, como estagiária, ela já fez muita coisa na vida de diferentes estilos, mas atualmente é isso o que ela faz, e eu tenho o maior orgulho disso, talvez porque eu tenha pânico de hospital e tudo o que envolva doença, acho bonito, pra não dizer um ato de coragem, ver minha mãe lidando com todo o tipo de gente, de carência e de diferença socio-cultural, e ela faz isso com tanta destreza.
Fui até o balcão por onde ela chamava os nomes, ela ainda não tinha me visto, e falei que gostaria de marcar uma consulta com o Doutor Meneses. A medida que ela foi respondendo que o Doutor Meneses só atendia de manhã, foi virando também o seu rosto para ver quem perguntava, e aí deu de cara comigo que já estava me matando de rir dela.Ela deu um puta sorriso e falou: Sua tonta!!!
Minha mãe sempre teve o sorriso muito bonito, mas ultimamente não tem sorrido muito, por causa das dificuldades que estamos passando, só que neste dia, naquele momento, acho que ela deu-me o sorriso mais bonito dos últimos tempos, ele estava tão iluminado...Tive vontade de beijá-la, abraçá-la, pular em cima dela, como fazia quando era criança, mas não podia, alí era o serviço dela.
Trocamos algumas palavras e depois sentei-me em um banco ao lado da sala em que ela trabalhava, de onde dava para vê-la de costas e um pouco do seu perfil direito. Ela tinha que continuar com seu trabalho, e eu fiquei ali sentadinha, admirando-a e esperando que ela tivesse uma brechinha para dar-me uma abraço, aí então eu iria embora e a esperaria em casa.
Sentei-me de lado no banco, apoiei o meu cotovelo esquerdo neste, e com a mão segurei a minha cabeça, ainda estava um pouco sonolenta. Depois de ajeitar-me confortavelmente, na medida do possível, continuei a observá-la. Foi então que percebi o quanto é gostoso, o quanto me faz bem observá-la. A sensação que tive naquele momento foi tão boa...
Ah!!!Aquela gordinha bonitinha, toda engraçada, meus tios dizem que ela é igualzinha à minha avó, só não é baixinha. Quanto a isso eu não sei, não a conheci o suficiente para lembrar-me dela, mas pelo que contam, realmente têem o mesmo jeito, e o pior é que também me acham super parecida com minha mãe. Será que é genético? Há há há...
Ela lia o nome dos pacientes em um caderno ao seu lado direito, chamava-os e em seguida riscava seus nomes do caderno. Assim que os pacientes chegavam ao balcão ela pedia-lhes a carteirinha e perguntava-lhes a idade, e assim ia, um por um...E ela alí, na maior paciência, paciência a qual eu não tenho nenuma. Já havia vinte minutos que eu estva ali sentada e a folhas daquele caderno pareciam não acabar nunca.
Irritei-me com tamanha demora, dei um alô a minha mãe e disse que ia procurar uma amiga dela que há muito tempo eu não via. Virei-me e subi as escadas que estavam logo alí a minha frente. Chegando ao seu final, virei-me à direita, dei uns dez passos, e na primeira porta topei com ela.
Ela falou-me um oi surpreso, mas não muito receptivo, e deu-me um abraço. Perguntei como ela estava, ela respondeu-me sem muitos detalhes, como se eu a tivesse visto há duas semanas, e não há meses, parecia-me estar preocupada e com pressa.A princípio, pensei que estava atrapalhando o seu serviço, ela é diretora do Posto de Saúde e antes de subir minha mãe já havia me dito que talvez ela estivesse em reunião. Continuamos conversando, ela me perguntando sobre a minha faculdade, eu respondendo, e vendo que ela olhava muito de lado, para o lado esquerdo dela. Eu estava de frente pra ela, e discretamente tombei a minha cabeça para trás e olhei também.
Hum...descobri tudo! Estava alí, de terno preto, velhinho, o namorado dela. Era por isso que ela não estava me dando a atenção devida, ela tinha um compromisso marcado com ele. Dei licença a ela, que trocou algumas palavras com ele e descemos, as duas, a escada, ainda conversando sobre minha vida acadêmica. Em seguida seu namorado chegou e ambos saíram conversando, mal me falaram tchau.
Fiquei alí de pé, parada na porta do Posto de Saúde, pensando... Como pode um pessoa que há tanto tempo não lhe vê, não perguntar nada sobre você, sobre a sua pessoa? Se esta bem, se está feliz, o que tem feito, se esta estudando, trabalhando, namorando...Nada disso foi-me questionado, o que interessava para ela, e para a maioria das pessoas que vem conversar comigo, era como estava a minha faculdade e se eu já tinha conseguido a minha bolsa de iniciação científica. Respondido isso ela deu-se por satisfeita e foi embora.
Cadê a relação interpessoal que existia? Acabou, e vejo que esta acabando em todo o mundo. É até engraçado de se ver, antes o que importava era quem você é, hoje é o que você faz. Os valores veem mudando rapidamente, só que com isso nós seres humanos, estamos perdendo o interesse no bem estar do próximo, o que é triste, pois quando perde-se o interesse no próximo, no bem estar deste, por tabela também esta se perdendo o interesse em sí mesmo. O que me amargurou mais nesta cena, foi que...Pô! Ela é diretora de um Posto de Saúde, em uma cidade onde as cindições médico-hospitalares são precárias, e não se interessa pelo bem estar das pessoas.
Não é um problema pessoal, na verdade ele é muito mais social, esse despreso que ela, e que as outras pesoas tem pelo meu bem estar e do próximo. Pra mim essas coisas funcionam, pelo menos deveriam, como uma corrente, e poucos são os que percebem o quanto essas pequenas atitudes são importantes para se formar uma base social e política forte, e minha mãe é uma delas, e é por isso, e outras coisas também, que eu a admiro tanto.
Imagine comigo, vamos começar por algo bem simples. Já que estou falando sobre minha mãe, pense no seguinte: eu a amo, e preocupo-me muito com o seu bem estar, saúde, mente, felicidade e tudo o mais. Faço tudo o que posso para manter em bom estado todos esses itens, se é assim que posso chamá-los, mas, como já relatei, tenho pânico de hospital e de qualquer coisa que envolva doença. Logo, se algum dia minha mãe ficar doente, o que farei?
Pensando nisso, para me previnir tenho que investir em pessoas que gostam dessa área de saúde, certo?!Agora para tudo!Quando pedi para que imaginassem comigo, esqueci-me de dizer que estavamos partindo do começo, como se nada, hospital, escola, nada existisse, nós iremos criá-los ao longo dessa imaginação, ok?!
Então, voltando, pensando na saúde de minha mãe, precisamos investir em quem goste de saúde. Saio a procura desta, encontro-a, mas ela ainda só tem a vocação, sem nenhum aprendizado ou experiência, fazendo uma analogia, ainda é um fruto verde.
Nosso próximo passo então, é investir em educação, para que essa pessoa possa obter o aprendizado necessário para cuidar da saúde de minha mãe. Aí entra o investimento em escolas, livros, bons professores, em resumo, tudo o que diz respeito à educação.
Feito isso, ainda falta ao nosso futuro agente da saúde, que salvará a vida de minh mãe, experiência. E como garanto isso? Simples , quer dizer, nem tanto, mas para isso construímos postos de pronto-atendimento, hospitais, postos de saúde, clínicas, e tudo o mais.
Pronto! Agora já temos um médico para cuidar da saúde de minha mãe e um lugar para atendê-la quando necessário. Missão cumprida! Missão cumprida uma óva! Temos que continuar olhando para frente e nos previnindo para o futuro, não acha?
Pois então, quem fará os equipamentos cirurgicos? Quem cuidará da higiene do local? Quem ficará responsável por analisar os casos de emergência? Quem fará os medicamentos?...Bom, para responder todas essas perguntas temos, teremos que criar muitas outras coisas e muitos outros pofissionais.
Depois de criarmos todas coisas e todos esses profissionais, espero, agora, que a saúde de minha mãe nãe esteja correndo mais perigo. Se tudo o que criamos estiver nos conformes, não haverá problemas com ela. Ah! Só pra terminar essa obra faraônica, precisaremos também de leis, para que a ética e a moral sejam preservadas; de um órgão que cuida da justiça, caso alguém burle as regras; de um orgão para fiscalizar se as leis e a justiça estão sendo executadas devidamente; e por fim, um órgão para controlar, tomar as medidas e as decisões certas, na hora certa, e supervisionar tudo, tudo o que foi criado.
Imaginando apenas a preocupação que tenho com a saúde de minha mãe, e os cidados necessários em função disso, já deu para perceber o quanto uma coisa é relacionada a outra, fazendo com que a corrente da qual falei se feche. Tudo tem que funcinar direitinho, para que nenhum elo se quebre, e nesse caso, minha mãe não adoeça e morra...
Bom, mas eu queria deixar bem claro, e espero ter conseguido, é que o simples ato de preocupar-se com bem estar do próximo, você também esta preocupando-se consigomesmo, afinal podia ser eu a doente, neh?! E também, o quanto esse tipo de preocupação pode formar uma base sólida para a sociedade em que vivemos, e é uma pena que isso esteja se esvaindo, não acham?
É isso o que esta acontecendo com a política e com os governantes do mundo. Falta a eles enxergarem as pequenas atitudes e iniciativas, como um todo. Eu sei que não dá mais para começar tudo do zero, e que é difícil consertar alguns erros, mas se ao menos tentassem...Só o que vejo são pessoas pensando em seus próprios umbigos, cheias de ambição, mas sem nenhuma visão. Não enxergam que as pessoas que deixam de atender hoje, podem fazer falta amanhã, não de forma direta, mas indiretamente, é assim que funciona a corrente. Não importa se você quebrou o primeiro, o quinto, ou o último elo, ela estará quebrada do mesmo jeito e dará o mesmo trabalho para consertar.
Os valores da nossa sociedade estão mudando, e continuarão, porque isso é evolução. Mas esse sentimento de fazer bem ao próximo, de cuidar da manutenção da corrente, não pode acabar, porque isso é regressão.
Terminada essa explosão de pensamentos e o meu ensaio político-social, virei-me e dirigi-me novamente à sala que minha mãe trabalhava. Apoiei-me no balcão ao lado dela, e continuei a olhá-la realizando o seu simples serviço de chamar nome por nome os pacientes, anotar as suas idades e riscá-los da lista. Tinha tanto orgulho dela... Passou-me pela cabeça: Até quando pode rei observá-la? Assim ...trabalhando, andando, falando, comendo, bebendo...Até quando a terei por perto?
Pensamentos assim permeiam a minha cabeça de vez em quando. Faço planos, desfaço-os, faço-os novamente...É uma brincadeira gostosa, emocionante...Ah!Essa minha mãe...ainda me mata de tanta emoção!!!
Já estava quase desistindo de esperá-la, quando uma amiga dela, essa eu não conhecia, disse a ela que viesse me dar um abraço, que ela terminaria o serviço de minha mãe.Ufa! Ainda bem que ela pensa no próximo, já estava indo embora sem nem ao menos dar um abraço em minha mãe, há há há...
Mas enfim, minha mãe teve uma brechinha, chamou-me para entrar em sua sala, fomos até uma outra salinha, que ficava nos fundos desta, e onde guardava-se alguns protuários e fichas de pacientes, sentamo-nos em cima de uma mesa, abraçamo-nos, beijamo-nos, contamos uma à outra como foi a nossa semana...E como já haviamos nos estendido muito no tempo, e ela tinha que voltar a trabalhar, despedímo-nos. Sai, parei em frente ao seu balcão e disse-lhe que a esperava para o jantar. Continuei andando em direção à saída, parei na porta, olhei pra trás, pisquei-lhe o olho direito e mandei-lhe um beijo simultaneamente, ao qual ela respondeu-me com um outro beijo e aquele seu lindo sorriso. Em seguida saí, fui embora pra casa pensando naqueles poucos momentos felizes que tinham acabado de se passar... E hoje, uma semana depois, os estou relatando, para que todos possam dividí-los comigo.

Elita Selmara.
22/07/2004

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